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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Agentes da cura

Agentes da cura

Data de publicação: 
 01/04/2015
Documentário reforça importância dos agentes comunitários no enfrentamento de doenças e na promoção da saúde
Rita Smith é uma das ACS da Rocinha retratada no filme sobre tuberculose (ilustração: Diego Azeredo)
A história de quem trabalha cuidando de pessoas doentes é o fio condutor do documentário Doenças Negligenciadas — Tuberculose tem cura, da cineasta Ieda Rozenfeld, produzido pelo selo Fiocruz Vídeo e previsto para ser lançado no segundo semestre. Filmado em locações no Rio de Janeiro, no Recife e na Amazônia, o documentário apresenta o trabalho de agentes comunitários e suas equipes, que atuam na prevenção e na promoção da saúde dos afetados pela tuberculose. 
No Rio de Janeiro, na comunidade da Rocinha, situada na zona sul da cidade, a protagonista é Rita Smith, uma agente comunitária de saúde (ACS) que entende que o tratamento vai muito além da medicação. Ex-usuária de drogas e álcool, Rita teve tuberculose duas vezes e perdeu sua mãe para a doença, o que a motivou a desenvolver uma outra visão da enfermidade. “Ser ex-paciente foi tudo no meu processo de vida. Eu vejo o mundo de outra forma. E sei que o amor e a amizade estão acima de qualquer outra coisa, principalmente para quem está debilitado e incapaz”, declarou em entrevista à Radis. 
Afastada do trabalho por questões de saúde, Rita se mantém à frente do Grupo de Apoio aos Pacientes e ex-Pacientes de Tuberculose (Gaexpa-TB), organização não-governamental que ela criou em 2010 para garantir direitos e dar assistência às pessoas doentes e em tratamento. Moradia, insalubridade, má ventilação nas casas, pobreza, uso de drogas e álcool fazem com que a Rocinha apresente alto índice de doenças respiratórias. De acordo com Rita, 80% das pessoas que vivem no local de alguma forma tiveram contato com o bacilo de Koch [bactéria que causa tuberculose]. Além disso, informalidade e desemprego são fatores que ameaçam a continuidade do tratamento. “O tempo previsto de seis meses para a cura da tuberculose é muito longo para quem está doente”. Doação de cestas básicas, assistência social e apoio a familiares e vizinhos estão entre os trabalhos desenvolvidos pelo Gaexpa. Sem precisar o número de pessoas já atendidas direta e indiretamente pela ONG, Rita aposta que o filme é um instrumento eficaz para diminuir o preconceito sobre a tuberculose. “Por meio do filme a informação pode ser espalhada. E eu sei a importância da informação”, reforça.
Diretora do vídeo, Ieda Rozenfeld reconhece que a liderança de Rita fez com que sua lente se voltasse para os ACS. “Rita é da comunidade. Quanto mais pessoas locais estiverem envolvidas no processo de transformação, mais eficiente ele será”, diz a cineasta, que dividiu a direção do filme com Andre Di Kabulla. Segundo ela, ao contrário do que a maior parte da população acredita, a tuberculose não está erradicada, mas sim “ativa, atuante e ocorrendo em progressão geométrica”. Ela fala com o conhecimento de quem perdeu um irmão para a doença há 20 anos. 
Roberto Carlos e os Munduruku no Amazonas (reprodução)

Importância dos ACIS

No Recife, as lentes do documentário se voltaram para as pessoas em situação de rua e indivíduos vivendo com HIV. As gravações foram feitas com a ajuda da equipe do Consultório na Rua e no ambulatório do Hospital Correia Picanço, no bairro da Tamarineira — no qual há um trabalho de referência em prevenção e tratamento da tuberculose — e no Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), um presídio de segurança máxima. Já no Amazonas, as filmagens ocorreram em Nova Olinda do Norte, a 126 quilômetros de Manaus, na tribo do povo Munduruku, que teve aldeias dizimadas por doenças, incluindo-se a tuberculose. Lá, a equipe pôde conhecer de perto o trabalho dos Agentes Comunitários Indígenas de Saúde (ACIS).
A cineasta aponta que, no caso dos indígenas, qualquer ação de saúde deve levar em conta questões particulares, o que reforça a importância do papel desempenhado pelos ACIS. Entre eles, ela destaca a moradia em locais remotos, o que dificulta o acesso dos médicos; o fato de os índios não gostarem de deixar a família para buscar tratamento fora da aldeia; e a dificuldade de a “medicina dos brancos” aceitar as crenças indígenas como práticas de saúde. “O indígena já percebeu, da pior forma possível, perdendo pessoas de suas famílias, que o remédio do branco é importante. Mas faltam remédios, equipamentos e estrutura física adequada ao tratamento”, destaca a diretora, lembrando que no local não há equipamento radiológico, o que obriga pacientes debilitados a enfrentarem longas viagens pelo Rio Amazonas para chegarem aos postos de atendimento, debilitando-os ainda mais. Neste contexto, torna-se essencial a figura e o trabalho do ACIS, defende. 

Projeto transmídia

Ieda explica que o projeto que deu origem a Tuberculose Tem Cura é realizado a partir de um conceito transmídia, o que significa dizer que ocupa diversas plataformas e redes sociais. “Eu utilizo a web como uma forma de comunicação. Assim, veiculo questões sobre a tuberculose em diferentes ambientes como Facebook, Instagram, Twitter e Vimeo. Isso permite uma maior troca de informação”. 
Ela informa que filme, dados e informações sobre a pesquisa, roteiro, personagens, fotos e depoimentos são postados na internet para que tenham longo alcance e possam ser acessados, comentados e compartilhados por pessoas em todo o mundo, como por exemplo, em países da África onde a doença é muito severa. 
Foi na web que a diretora encontrou referências em relação à tuberculose. “Foram três meses de pesquisa na internet sobre a doença no Brasil e no mundo. Além da busca inicial, usei a web para o e-mail ou para fazer entrevistas”. Ela ressalta que é no ambiente virtual que o projeto se materializa inicialmente e continua a ser desenvolvido depois que o filme é lançado. “A melhor forma de combater o preconceito é falar sempre sobre a situação. Se você incentiva as pessoas a darem seu depoimento, a gravar um vídeo pelo celular, por exemplo, e veicular na web, o trabalho não acaba”. 
 Gravação com Rita Smith, na Rocinha (reprodução)

Mais vídeos

Foi numa das visitas que fizeram aos Munduruku que a equipe conheceu Roberto Carlos, médico cubano que atende à tribo a partir do posto de Laranjal, em Nova Olinda do Norte (AM), que logo se integrou ao grupo. A experiência de Roberto vai integrar um filme que Ieda está produzindo sobre o programa Mais Médicos, do governo federal. Ainda em fase de captação de recursos, o roteiro vai mostrar também a vida de Xenia Zamara, médica cubana que trabalha em Guarabira, interior da Paraíba, desde 2013. A família de Xenia já foi entrevistada em Cuba. 
Entre tantas questões que levaram a cineasta a proceder a esta investigação, uma delas ainda está presente: o que leva um profissional a deixar o seu país e se lançar em um mundo desconhecido? “Tenho muita curiosidade em saber porque eles deixaram suas famílias. Muitas médicas são mães com filhos pequenos. Mas os profissionais não vieram para o Brasil só pelo dinheiro, pois são pessoas que já realizaram missões em outros países e não ganharam o que estão ganhando aqui”, diz, percebendo que a experiência cubana é apoiada em uma ideologia. “É como se os cubanos fossem devolver ao mundo aquilo que eles têm de melhor, que é a solidariedade e a expertise em saúde pública”.  
Gravação no Cotel, no Recife (reprodução)

 

Brasil profundo

Formada pela Universidade Federal Fluminense, em 2000, foi no Acre, em 2010, que Ieda teve contato com o que ela chama de “Brasil profundo” ao dirigir o vídeo Vigilância em Saúde nos desastres – a experiência de Rio Branco. No curta de 20 minutos, produzido pela VideoSaude – Distribuidora da Fiocruz para a Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS), Ieda mostra o trabalho dos ACS que percorrem a região, orientando a população sobre higienização de moradias e a prevenção de doenças em áreas alagadas. “Eu me surpreendi e fiquei apaixonada pela figura do ACS, vi o quanto são comprometidos e envolvidos. Eles carregam conhecimento e, além dele, o afeto que muitas vezes falta no atendimento. Sem o ACS eu acho que a saúde pública não vive. Ele é o elo fundamental entre a política pública e a comunidade”, ressaltou.
Em paralelo, Ieda investe em outras áreas. Há um ano ela toca o Cineclube da Gigóia, localizado na ilha onde mora, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Destinado ao público infanto-juvenil, o cineclube reúne 50 crianças e jovens da localidade todo primeiro domingo de cada mês para sessões sobre temas variados. A ideia é utilizar o espaço também para levar pessoas como Rita Smith para debater com a plateia, transformando o espaço educativo-cultural em um local de promoção da saúde. Ieda revela que, dentre tantas atividades, é movida por um ideal. Seu desejo é que os ACS cheguem à Ilha da Gigóia, cuja população também enfrenta dificuldade de acesso à promoção e à assistência à saúde.
SAIBA MAIS
Autor: 
 Liseane Morosini

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